Algures na Beira, 14 de Setembro de 2024
Vindima. Saímos rentes à madrugada rumo aos campos, a primeira luz do dia ainda sonolenta. Dividiram-se as equipas e começou-se imediatamente a tarefa de colher a virgindade da vinha sagrada. Daí a nada, falatório. Depois, à medida que os potes carregados começavam a antever o néctar preciosos que dali a pouco se iria curar, silêncio. Murmuravam-se orações quase a lábios serrados, rogando a sei lá que deus do outro mundo para conceder um vinho generoso e fecundo. Era uma comunhão digna de ser cantada em salmo. E cada bago era cuidadosamente acariciado nas mãos de quem os colhia, cada cacho era tratado como se de um filho acabado de nascer se tratasse. Não me surpreendeu. Esta gente serrana, apesar da rudeza no seu trato e das poucas palavras que guarda debaixo da língua, é capaz de conceder as doses mais generosas de ternura a quem a souber merecer.
--
Créditos Fotográficos: José Malhoa, "Sétimo Mandamento", óleo sobre tela, 1905. Disponível aqui.