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Memórias e Diário de Manuel Losa

Filhos de Eva

Memórias e Diário de Manuel Losa

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Porto, 10 de Outubro de 2024

Leitura de um soneto de Antero de Quental. Deixei-me ficar quieto, aguardando que o poema começasse a fazer efeito. Reli, parei, voltei a ler. E depois, já devidamente dopado, aconteceu algo de extraordinário. Deixei de querer tentar escrever...

 

XII.

A José Felix dos Santos

Sempre o futuro, sempre! e o presente
Nunca! Que seja esta hora em que se existe
De incerteza e de dor sempre a mais triste,
E só farte o desejo um bem ausente!

Ai! que importa o futuro, se inclemente
Essa hora, em que a esperança nos consiste,
Chega... é presente... e só á dor assiste?...
Assim, qual é a esperança que não mente?

Desventura ou delirio?... O que procuro,
Se me foge, é miragem enganosa,
Se me espera, peor, espectro impuro...

Assim a vida passa vagarosa:
O presente, a aspirar sempre ao futuro:
O futuro, uma sombra mentirosa.

(In Sonetos de Anthero, Coimbra, 1861, n.º XII. Disponível aqui.)

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Créditos Fotográficos: Banco em Ponta Delgada, no Campo de S. Francisco, onde Antero suicidou-se em 1891. Disponível aqui.

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Porto, 9 de Outubro de 2024

O que há de belo em certos diálogos é a total ausência de certeza. Um exemplo apenas: é curioso como a discussão em torno do significado de um poema, que é um assunto que raramente conhece consenso, é capaz de estimular um sentimento de proximidade entre duas ou mais pessoas que à superfície parecem estar afastadas pela discórdia. Mas há nessa discórdia um fino traço de união. É que a própria ambiguidade, por reservar infinitas possibilidades, abre portas à comunhão de diferentes vozes e melodias. E todos ficam a ganhar.

 

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Créditos Fotográficos: Tertúlia no café La Rotonda, em Montparnasse, onde é possível distinguir Miguel de Unamuno (1924). Disponível aqui.

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Porto, 8 de Outubro de 2024

Tinha de ser assim. Pouco valeram as preces que orei no altar do santo que naquela hora me pareceu estar mais inclinado para uma intervenção divina. A vontade de uns quantos dita a certeza de todos. E Deus assiste..., atento. Até ao final do mês, aquele lugar respirará os seus últimos fôlegos, já atordoado depois de tanta luta, mas orgulhosamente de pé. Foi de lá que veio, embrulhado em prenda que despertou todas as minhas curiosidades de garoto (para, depois de aberta, ficar desolado com a sorte que me havia calhado), o primeiro livro que li na íntegra. Na época, tinha eu pouco mais de dez anos, nada me parecia mais enfadonho do que estar serenamente a encarar daquele objecto estático, mas por alguma razão consegui aguentar a dose e acabei por sair dessa experiência do avesso. Entrei novamente numa pia baptismal que me concedeu um passaporte para um novo mundo. Renasci-me. E, desde então, tantas páginas foram aquelas que virei, numa atitute simplesmente ilusória, mas urgentemente necessária, de um dia dar de caras outra vez com um desses momentos que nos mudam de alto a baixo.

 

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Créditos Fotográficos: Capa do livro "O Menino Que Não Gostava de Ler", de Susanna Tamaro. Disponível aqui.

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