Porto, 19 de Novembro de 2024
Inacreditável como, mais frequentemente do que seria saudável esperar, o saber-fazer anda de mão dada com uma grosseira atitude de superioridade. Curiosa condição que me parece estar especialmente enraizada no tipo português. Raizes bem profundas - admita-se. Quando o saber provém do indivíduo culto, há que baixar as orelhas e zurrar em conformidade, mas baixinho, sem incomodar o fluxo da sapiência; quando o saber é do tipo que tem as mãos calejadas, coitado do menino da cidade que questiona este ou aquele cânone intemporal (o mesmo cânone que consegue pôr em confronto irreconciliável, na mesma disciplina, camponeses de duas aldeias vizinhas). Mas compreende-se o porquê. Cada um agarra-se ao que pode nesta existência desesperada, como se ao reconhecer a sabedoria do seu semelhante o pobre homenzinho perdesse irreparavelmente a própria identidade. Do pesadelo nasce o hábito. E viva a Santa Ignorância, com "i" grande, que ainda consegue colher esmolas às mãos-cheias.
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Créditos Fotográficos: A Alegoria da Caverna, de Platão, representada por Jan Saenredam (c. 1604). Disponível aqui.